Era meio da manhã e as maritacas estavam fazendo um escândalo no meu telhado. Gritavam e tremiam como se discutissem ou rissem ou conversassem ou falassem das coisas bonitas, do sol, do céu que amanheceu aberto, das árvores e das copas, do imenso e de viver. Ou só de viver. Talvez elas não falassem de nada, só faziam seus barulhos incompreensíveis para mim, demasiadamente humana, incapaz de não exigir explicações, incapaz de não tentar explicar, eu mesma, aquilo que não entendo.

Há uma dificuldade, eu reconheço, em abandonar minha rigidez. Minha tentativa falha de métrica, de horário, de sim e de não, de receber resposta e levantar questões. Há uma dificuldade de penetrar o olhar no outro e atravessar aquilo que hoje gostamos de chamar de empatia, mas que eu daria outro nome que ainda não inventei. Um nome para o sentir o sentimento do outro – o que é bem diferente de sentir o que o outro está sentindo porque isso, isso está dentro do impossível. Dá para entender?

Essa rigidez eu percebi há algum tempo e me impediu até de chorar. Não de alegria, porque esse choro vem com facilidade, mas de tristeza. Vai ver que não fico triste, pensei, eu não tenho motivo para entristecer. Tenho saúde, casa, comida, amor. E posso pedir comida de aplicativo. Basicamente adquiri, já no berço, o pacote básico da felicidade.  Aí que um dia, não sei qual, senti falta de chorar agudo e eu não tinha lágrima, os olhos estavam secos, duros mas algum lugar em mim doía.

Outro dia, esse me lembro qual, me ajudaram a abrir a torneira dos olhos e eu chorei naquele clichê da terapia: falei um A e solucei com alguns BÊS que eu nem tinha me dado conta que estavam ali, lacrados em baú.  

Daí pra frente, dei de chorar com o único critério, que me escapa o entendimento, de estar sozinha e sem precisar procurar o porquê.

Então passei algumas semanas chorando cotidianamente pela manhã quando assistia ao jornal, ouvia uma música ou só respirava. A angústia passou a fazer parte e as águas dos olhos começaram a fazer visita sem aviso, mas nem precisava porque eu já estava esperando com a sala feita.  

Será que eu estava abandonando a rigidez?

Me sentei para ler. Recebi uma notícia ruim, rolei o feed do instagram, dei play em um vídeo de música gospel, uma velha conhecida da infância. Eu, não crente, não mais apegada aos ritos pensei que seria muito, muito mais fácil se eu me encontrasse com alguma fé ou se todos se encontrassem com ela. Só ouvi a música de olhos fechados e a fé não foi encontrada, mas a tristeza sim. O mundo todo está triste. Há mais um ano sofremos sem colo, gritando de fome e sede por afeto – e chorar sem abraço queima muito mais.

O que ninguém conta é que, além do pacote básico da felicidade que alguns ganham logo de cara, nascemos com o da angústia também, e é por ela que nos ligamos uns aos outros, porque reconhecemos fora a dor de dentro. Talvez isso nos faça humanos e não maritacas. Talvez por isso sejamos tão rígidos, talvez por isso engolimos soluços e tem dias que não conseguimos apenas viver e gritar no telhado – como essas escandalosas.  

Saí para o quintal e olhei para cima, as bichinhas ainda estavam lá. Senti uma tremenda inveja delas. Entrei e elas também voaram, me deixaram só o barulho de prédio sendo erguido e das lagriminhas batendo na mesa.

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