Tirei as panelas de feijão e arroz na geladeira e liguei o fogo pra esquentar. Os tomates com cebola estavam em uma tigela, era só temperar. Fritei ovos. Troquei os pratos, escolhi os brancos, mudar a estética do simples já deixa as coisas mais bonitas. Inverti o lado dos jogos americanos dispostos em cima da mesa porque na outra face tem bolinhas coloridas. Mudar o olhar também deixa as coisas mais bonitas. Comemos à mesa com os talheres com cabo de madeira e pregos herdados da sogra e que usamos todos os dias há anos, quem se importa com prataria. Lavei a louça em seguida pra minha barriga operar mais tranquila. O sono bateu na maré mansa de estar no sofá se preparando pro segundo turno. A obra do outro lado da rua fazia estrondos perturbadores. Eu me acheguei do jeito que deu, meio torta, não totalmente estendida mesmo que o sofá comporte dois corpos inteiros. Os corpos só queriam ficar repousados e um pouco esquecidos nesse desconforto acolhedor. Não havia urgência de nada, pra nada. A urgência, essa tão imperativa, é falsa e persuasiva, a gente se deixa enganar. Nem tudo é urgente, muito pouco na verdade, é. Cochilamos, talvez eu tenha cochilado rápido, entre um sonho e uma imaginação enquanto ele, ele acho que ficou acordado, com os ouvidos cobertos pela almofada que fazemos de cabana, os dois em silêncio de bocas escutando um trator escandaloso.  Tempo não marcado, não tinha despertador, uns poucos minutinhos suficientes pra abandonar a angústia, a pressa. Por que a pressa? Nos levantamos porque já não tinha mais porque ficar ali, ele fez café, eu voltei ao trabalho, ele também na sequência. E foi assim, num rápido esquecimento de urgências que facilitamos pra os esqueletos e neurônios que quase sempre pedem um hiato, um nada. Pensei que tudo poderia ser mais fácil, sempre ou quase sempre, por que complicamos? Por que forçar a barra, a cabeça, a coluna? Em que curva do curso trocar mensagens escritas se tornou mais simples que ligar? Eu quase mandei um áudio pra uma amiga outro dia, mas escolhi de outro modo e liguei. Falamos por duas horas no telefone, não por nada, mas a gente sempre tem o que dizer, sempre há o que escutar. E naquele dia facilitei de novo pra minhas emoções porque o que eu precisava não era de um porre, não era de uma compra, não era de uma foto postada na rede, o que eu precisava era falar, chorar e rir. Facilitei também porque queria me mexer mas não tinha ânimo e nessa ligação caminhei, ininterrupta, pela rua por quase duas horas. Facilitei porque eu não preciso gastar meu dinheiro em academias caras e enormes pra mexer as pernas, nada é mais barato e maior que a rua, nem gastar meus dedos e meus íris teclando mensagens abreviadas no celular. Outro dia, facilitei dizendo a alguém que sinto saudades e ouvindo notícias dessa pessoa; eu não saberia dela se não dissesse das minhas saudades. Facilitei trabalhando enquanto minha cabeça estava ativa e dormindo até às 9h naquele sábado. Guardando na minha garganta uma crítica desnecessária e inacabada, que eu mal formulei, que sairia de mim só por sair, facilitei a vida de quem a receberia e teria que lidar com meu destempero. Dei uma colher de chá pro choro encalacrado escolhendo músicas que me emocionam pra abrir o berreiro. Facilitei não deixando pra depois o que deve ser feito agora e deixando pra nunca mais o que não precisaria ser feito em qualquer momento. Paguei as contas, desliguei o instagram. Daquela vez botei feijão de molho na noite anterior e cozinhei na manhã seguinte uma quantidade maior, facilitando assim outros dias de almoço, só tive que fritar aqueles ovos. Facilitar, que mal há? As felicitações de ano novo são de facilitações dos dias e das emoções. Quem pode, é privilegiado e presente assim não se recusa. 

1 comentários On Facilitar

  • Que saudade de receber um e-mail do Não Dito no meio do dia 💛
    Lindo texto, Thata, amo como você enxerga mais até nos pequenos detalhes do dia!

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