Eduarda abriu os olhos mas não quis se levantar, ficou deitada e viu que horas eram, enquanto Mônica meditava do outro lado da cidade porque fazia bem, como eles disseram.
Isso não é uma paródia.
Eduarda pulou da cama às 5h30 da manhã e o trampo longe pra burro começava às 8h. Antes de sair, preparou uma marmita e deixou um saco de pão em cima da mesa para o marido e as crianças comerem quando acordassem.
Entrou no seu carrinho um ponto zero e se enfiou na marginal, trânsito do cão e bateu ponto às 8h20. A chefe chegou às 9h30, de cabelo feito, salto alto e batom nude. Em plena quarta-feira, por deus! Na porta da sala de reunião se lia “reservado para Mônica M”, e de lá chamou a funcionária para avisar que atrasos são sempre descontados da folha de ponto.
Eduarda se perguntou como é que ela sabia do atraso se não estava lá antes, mas assentiu, é que o trânsito, chefe… Não deu para continuar, porque a chefe precisava que preparasse uns dados para uma reunião logo depois do almoço.
Eduarda passou a manhã como uma cadela em trabalho de parto, tão atordoada que quando conseguiu levantar para buscar a marmita sentiu a axila direita suada.
Deu uma paradinha no banheiro para retocar o desodorante e encontrou Mônica procurando batom na sua necessaire louis vuitton e, segurando sua bolsinha de brinde da avon, Eduarda avisou que já tinha enviado o email com tudo que ela precisava para a reunião. Você é demais, disse Mônica à subordinada forçando um sorriso pelo espelho.
Na copa, Eduarda lembrou que precisava agendar exames para sua mãe e ligou no plano de saúde. Foram trinta e sete minutos no telefone e a idosa que morava na Zona Oeste faria os exames no Tatuapé no final do mês. Que bom, só esperar vinte e oito dias.
Engoliu a comida e voltou para o banheiro para escovar os dentes e cacete, Mônica de novo passava batom. A mulher com rosto mais liso que bunda de bebê a aconselhou que não era bom usar creme dental com flúor, dá um problema na pele. Eduarda riu sem graça passando a mão nas espinhas do queixo e disse que só estava usando naquele dia, costumava usar Oral B e antes de sair a gerente alertou que Oral B também tem flúor, que tinha uma vegana muito em conta. Só jogar no google.
Às 15h deu dor de barriga e Eduarda se escondeu na última cabine do banheiro para tentar fazer um cocozinho mas foi impedida pelo choro de uma conhecida que estava aos prantos pois seu vôo da viagem de férias para São Miguel dos Milagres tinha sido cancelado.
Tadinha.
Calado o chamado da natureza, voltou para sua mesa e entrou no site da operadora de celular para mudar seu plano controle. A página não carregava e nem a idiota da assistente virtual, pra que servia aquilo, conseguia ajudar. Deu um murro na mesa e foi atingida por olhares punitivos. Fingiu que batucava uma música. Pegou o telefone, não sem antes conferir se a chefe estava por perto e ficou pendurada na linha por vinte e oito minutos para um desconto de dez reais.
Aproximava-se a hora derradeira mas Mônica surgiu às 16h45 chamando pela funcionária. Eduarda disse que só um minutinho e já ia, e escreveu para o marido dizendo que chegaria mais tarde em casa. A chefe falou de erros no levantamento feito pela manhã e pediu a correção para o final da semana, quando teria outra reunião. Eduarda disse que, claro, pode deixar, e voltou para a mesa com as costas corcundas pensando em tudo que tinha para fazer.
Quando a viu arrumando as coisas para sair, Mônica a lembrou do happy hour no braugarten, imperdível, a equipe toda. Eduarda tinha se esquecido e suspirou e disse que achava que não, mas a chefe insistiu e ela escreveu de novo para o marido dizendo que chegaria depois do mais tarde anterior.
Na mesa do bar, muitas vozes e pessoas felizes e estagiários semi bêbados e homens com a camisa semi aberta e mulheres com a maquiagem semi borrada, com exceção da Mônica que não bebe nada alcoólico sem intercalar água com gás. E a Mônica falava dos benefícios do yoga e alimentação ayurvédica e da drenagem três vezes na semana e se despediu logo porque acordava às cinco para meditar. Inclusive ela recomenda.
Com a partida da chefe, se viu livre da obrigação e saiu de mansinho, ainda bem que era por conta da empresa porque com preço daquele lugar compraria alguns fardinhos de skol e um tanto de pão de alho prum churrasco. Com o buchinho cheio de pastel e chopp, caminhava para o estacionamento mas por causa de um tropeço na calçada se lembrou que ela estava mais pra lá do que pra cá, então chamou um uber. Sentou no banco de trás, triste primeiro porque não tinha conseguido fazer cocô naquele dia e segundo porque ia dar sessenta conto de corrida e abriu a braguilha, tirou um pouco o sapato de salto e no nariz veio um leve chulé.
Sentiu muita vontade de chorar. Estava exausta, eram quase dez da noite e sabia que teria que acordar ainda mais cedo porque o carro ficou no escritório, enfim, o resto já se sabe. Entrou no apartamento e o marido recolhia a louça do jantar da mesa. Que bom, ele ia lavar… Não. Empilhou os pratos na pia e foi para o quarto, não sem dar um beijo na testa da mulher e comentar que ela estava com cheiro de carne na brasa. Que ódio.
Respirou fundo. Chamou as crianças para a cama, um foi obediente e outro decidiu ignorar. Ela tirou o celular da mão do indivíduo na marra, ele chorou, esperneou, se jogou no corredor. Ela abaixou na altura do pequeno, colocou as mãos no seu rostinho e com os dentes cerrados disse
VAI
JÁ
PARA
SUA
CAMA! e o menino foi porque a casa ia cair.
Eduarda se trancou no banheiro, tirou a roupa e sentou na privada para, enfim, deixar a natureza falar. Pelo vidro do box viu suas dobras na barriga, apertou para saber a dimensão da gordura, talvez fosse melhor se cobrir com a toalha. No instagram, viu a foto de Mônica fazendo skin care enquanto lia o poder do hábito, sua rotina de auto cuidado. Ligou a câmera frontal para quem sabe tirar uma selfie também até ver que o cenário era de azulejos.
Tomou um banho rápido e deitou de cabelo molhado. Antes de dormir abriu o google e digitou pasta de dente sem fluor vegana preço.
Super em conta.
Aquela vaca!
2 comentários On Eduarda e Mônica
Que texto, Thatá! <3
Gracias, mí amor <3