Adoro cuidar da minha casa. Arrumar a cozinha depois do almoço ajuda até na minha digestão: passados os privilegiados minutos que ficamos no sofá depois de comer, limpar o ambiente mais frequentado por mim na minha casa, me tira do estado de sono letárgico antes de começar a trabalhar ou a estudar. Além de que, é claro, ver minha pia limpa e brilhante é de um prazer indescritível. Uma paz mental que cresce por eu saber que fui eu quem fiz o serviço.
Cresci em uma casa e uma família sem empregada doméstica, salvo um ou outro período em que contrataram alguém para passar a roupa – tenho essa breve memória da infância. Ou, uma vez ou outra uma faxineira.
Minha mãe parece sempre ter preferido manter o controle da sua própria casa, herança que trago comigo e de alguma maneira minhas irmãs também. Já contratei faxineiras mas não é a coisa que me sinto mais confortável em fazer – tema complexo que deixo para outra crônica.
No geral, penso que se estou em casa, se tenho tempo, se sou eu quem sujo, se eu gosto desse controle do meu ambiente e se eu sou uma adulta funcional, por que raios eu mesma não limparia e organizaria meu lar?
E é o que faço.
Praticamente todos os dias faço o almoço. Outra tarefa que tenho prazer em fazer. É muito gratificante encher a minha barriga e a barriga de quem mora comigo. Quando elogiam, então. Nossa! A vaidade vem galopante.
Aí penso no que deve ser feito, no que temos vontade de comer, no que tem na geladeira e no que falta. Meu marido não gosta de 7 itens que eu adoro, azeitona, palmito, milho, ervilha, banana. Não posso colocá-los no meio do almoço porque seria indelicado da minha parte. Sim, eu sei que só mencionei 5 itens. Pode apostar que são mais que 7, mas me esqueci deles.
Ainda quero manter uma certa constância do que eu como, apesar de gostar de comer tudo, até reboque de parede com limão se pudesse, mas é necessário continuar fazendo cocô e farinha refinada todo dia não me ajuda. Então não posso comer um pãozinho e só.
A despensa de comidas precisa estar organizada por uma questão bem prática: é pequena e pouco funcional. Se está caótica, provavelmente perderemos alimentos para a validade.
Sujeira na geladeira também é outra coisa que não dá para conviver. Por isso que não é incomum a compra chegar – pedimos num aplicativo – e eu logo dar uma limpada nela.
Os armários de louça são altos e antigos. Há alguns meses tirei e limpei tudo, não sem pedir ajuda já que não alcanço todas as prateleiras. Afinal, armários sujam mesmo fechados e se desorganiza no dia a dia.
Olha que coisa!
Odeio lavar panos de chão. É um trabalho danado porque precisa ficar de molho e costumo lavar à mão já que, se forem para a máquina, rasgam. Sempre que eles se acumulam na lateral do tanque imagino que tenho a magia da Fada Bela (90’s kids) e aperto os olhos para que quando eu abri-los de novo, os panos estejam pendurados no varal.
Nunca deu certo.
Os panos de prato e de pia demoram mais a acumular porque o estoque é maior e porque eles são usados mais vezes. Mas veja, pelo toque suave das minhas pequenas mãos percebo que já tem sujeira demais no paninho da pia e é hora de pegar um limpo. Fica na última gaveta.
As toalhas de banho e rosto/mão são trocadas toda semana. Por muito tempo só o fazia no dia da limpeza geral, sendo que se eu limpasse em 10 dias, trocaria em 10 dias. Mas aí, vamos criando intimidade com a nossa casa e percebemos que 10 dias é tempo demais para elas.
Para quem nunca percebeu, toalhas passam a cheirar mal depois de um tempo.
Os edredons, tão fofos e aconchegantes também precisam ser lavados e, veja, a máquina de casa não dá conta. Tem que levar na lavanderia.
Ainda no tema área de serviços, nossa, ela também fica muito suja. Será que é porque circulamos muito por ali? E porque tem duas bicicletas guardadas lá? E porque ficam os potes de comida da cachorra?
Pois é. De tempos em tempos faço uma faxina nesse cômodo incômodo, porém necessário. Tiro tudo do lugar, coloco no quintal, lavo, esfrego e de quebra jogo umas gotas de óleo de eucalipto, fingindo que não estou na lavanderia e sim numa sauna.
Tudo pelo bem estar dos nossos olfatos.
Não gosto de lavar os banheiros e sou péssima aspirando tapetes e sofá. Que, aliás, precisam de lavagem e higienização periódicas. Bem como meu carro que vai ser colocado à venda e que está em estado de tristeza. Bem como o outro edredom que é mais novo. Bem como a roupa de cama que precisa ser trocada. Bem como a privada que está sujo por motivos de uso constante. Bem como o forno que nunca foi limpo.
E assim sigo. Quando acabo uma tarefa aqui, outra parte já precisa ser feita. Porque quando se vive numa casa, se vive uma dinâmica. A vida acontece dentro dela, e a vida também tem sujeira, bagunça, repetição.
Adoro cuidar da minha casa, repito.
Só que não é uma tarefa sazonal ou periódica, ela é diária.
Meu marido passa aspirador como ninguém, esfrega o banheiro melhor ainda. Pede compras de mercado no aplicativo com exímia maestria e marca o banho da cachorra. Comprou produto para limpar o forno. É muito bom em colocar o lixo na rua. Pede delivery para mim e ainda paga com seu VR. E faz as manutenções da infraestrutura da casa e do carro.
Mas nenhuma dessas é tarefa cotidiana.
Mesmo que eu esteja afrouxando as rédeas sobre mim mesma a respeito e avaliado minha auto cobrança com esforço racional, ainda antes de acordar direito mapeio tudo que precisa ser feito. Tomo meu café pensando no almoço porque tem comida que precisa ser descongelada ou cozida ou assada. E para isso é necessário algo precioso, que não vendem nos aplicativos: tempo. Cozinhar é um processo.
Começo a semana tentando planejar o dia da faxina, mesmo que seja só no sábado já que isso leva ainda mais tempo. E precisa de capricho. E precisa tirar pó, passar pano. E depois o pano vai acumular no tanque, e vou tentar a Fada Bela e ela não vai funcionar e o resto vocês já sabem.
Adoro cuidar da casa. De novo. Será que estou tentando me convencer disso? Mas sinto uma coisa dentro da minha cabeça prestes a derreter. Queria tirar o cérebro e mergulhar numa bacia de gelo para ficar ~de cabeça fria ~. Claro que faço de bom grado, porque gosto e porque atualmente tenho tido esse precioso recurso, o tempo, aqui de novo também. Mas trabalho, ainda que nem todos da sociedade reconheçam uma nova profissão como trabalho. Tem dias que até quase 22h. E nem muito dinheiro ganho com isso. Aliás, quero ganhar. Alguém aí procurando psicanalista, escritora, administradora, faz tudo? Me chama. Será que meu tempo vai ficar mais escasso? Vou ter paciência de fazer todas essas atividades trabalhando mais do que integralmente, já que atendo antes e depois do expediente convencional? Eita. Acabo de lembrar que quero ser mãe. Vou dar conta de pensar na despensa e balançar um bebê grudado no meu peito? Vou dar conta de pensar na despensa, limpar a despensa, pensar no almoço, fazer o almoço, botar roupa na máquina, ligar na lavanderia, e os panos de chão, os panos de prato, o congelador, toalhas fedidas, bebê no peito, bebê que chora, bebê que quer a mãe, a mãe que quer ser mãe e ficar com o bebê mas não é Fada Bela. Como ainda não criaram um aplicativo que lava panos de chão?
E num estado de cansaço e preocupação, eu vou ter uma conversa com o outro habitante da casa, ficarei mais calma, vamos restabelecer os limites e os tratos e as responsabilidades. E vou me sentir péssima por reclamar, por dar uma choradinha, talvez. Me sentirei péssima quando eu não me esforçar o suficiente para aspirar o sofá tão bem quanto ele. Me sentirei folgada por não perguntar o que ele vai jantar no dia que eu estiver fora. Me sentirei envergonhada de pedir sugestão para a janta às 14h porque preciso me programar. Ele deve me achar uma chata. Mulher que não para. Credo. Será que vai comentar disso nas rodas de cerveja? Me sentirei uma mulher clichê por falar desse assunto pela enésima vez. Pedirei desculpas e ele pedirá o mercado. Justificarei dizendo que adoro cuidar da casa.
Bom, e aí, alguém vai dizer, talvez eu mesma, provavelmente eu mesma. Claro que eu mesma vou dizer ao meu espelho:
Calma. Respira. Você não tem que dar conta de tudo.
E então, o céu ilumina-se: é verdade, não preciso mesmo.
Hoje, não farei almoço!
Mas como tenho fome, as abóboras estão cozidas. Só vou ali fazer o purê.
1 comentários On Detalhes tão pequenos de uma casa
Todo dia a msm reflexão.Todo dia colocando os pesos na balança…