Me desencontrei da escrita, ela fugiu das minhas mãos nos últimos meses. Tive a necessidade de mergulhar no meu corpo e no mais subjetivo de mim de uma forma única e desconhecida, quase individual. Quase porque o desencontro com as palavras se deu pelo encontro com a gravidez. Pouco a pouco uma criança integra meu corpo e minha cabeça vai também se reintegrando. Um renascimento, demorado e longo. Tudo o que eu já conhecia, esse eu que já existia vai se transformando. Se reconstitui, se refaz, dessa vez multiplicado.
A cada dia, um novo encontro com esse novo que se apresenta e eu, resignada, contemplo.
E é escrevendo isso que percebo e aceito, é claro que as palavras me fugiram.
Não sei mais de linguagem alguma, reaprendo a me escrever.
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Descoberta e intuição tem sido as palavras que pulsam na memória. Nunca antes eu tive tanto desejo de não controlar. A gravidez para mim tem sido como boiar no mar, nunca saber onde vai dar, deixar a água levar o corpo, acordar quando for a hora, não a do relógio mas a do do despertar.
Dizem para eu me preparar: a barriga, os seios, o futuro, o casal. Aproveita que passa. Durma enquanto pode. Coma enquanto ninguém atravessa sua refeição. Trabalhe bastante; descanse o quanto der. Seu corpo nunca mais será o mesmo, seus peitos vão encher e depois cair, murchos, desgastados. O cabelo que cresce agora, vai desaparecer. Compra logo, não compre nada. Faça o enxoval, pesquise, não abusa do exercício, faça cursos leia artigos pesquisas acadêmicas doulas parteiras dicas da blogueira, em qual posição você vai parir?
Ouço tudo, mas não escuto.
Deixo a mudança me acontecer, percebo, rio e choro. Fiquem calmos, não tenho medo da transformação. Não quero fazer estoque da minha vida antes da minha filha nascer nem quero fazer planos de como supostamente vai ser.
Eu quero receber o que vem ao meu encontro.
Que coisa curiosa, saber do amanhã é o que eu menos quero.
Já fui tão embriagada de depois, hoje eu só tomo porres muito sóbrios do agora.
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Essa noite sonhei que meu pai fazia graças e minha filha se mexia quando ouvia sua voz rouca e brincalhona. Eu sorria, ele também e nós dois enxergávamos o pé minúsculo de três centímetros da criança, chutando minha barriga como se fosse atravessar a pele. Instantes tão rápidos de um sonho que acalenta mesmo sabendo do caráter etéreo e portanto não palpável desse sentimento. O ajuntamento daquele que se foi com aquela que chega devagarinho.
A morte e o nascimento e eu no meio desse fato-consequência: só morre quem já nasceu.
De quem eu vim e em quem me desdobro, eu sendo a ponte, a conexão, o encontro.
Não deixo de me surpreender com isso que a gente chama de viver.
Muito menos com isso que a gente chama de sonhar.
2 comentários On Encontros
“Já fui tão embriagada de depois, hoje eu só tomo porres muito sóbrios do agora.”
E assim e a nossa vida: mudanças! Algumas boas, outras não tão boas, mas sempre necessárias!…
Hoje estou me despertando para minha vida; tentando finalizar um ciclo de 23 anos. Não está fácil. Não será fácil depois, mas necessário, para eu me reencontrar comigo mesma!
Feliz por você!!!…
Beijos…
Palpites alheios nem sempre são bem-vindos, siga seu coração, se errar ..acerte beijos