Luana é uma mulher de fala clara e bonita. Mãe, dona de casa, trabalhadora. Foi também esposa por muitos anos, casou-se com o namorado da adolescência quando se descobriu grávida de sua primeira filha.
Eram muito jovens os dois, e ela deixou a faculdade para cuidar da família que crescia junto com seu ventre. Mais tarde, plantou a segunda semente na barriga e ela abriu mais um espaço no coração.
Ser mãe é muita coisa. A morada, o abrigo, o afeto e alimento de alguém. Para ser mãe foi preciso abandonar o que se sabia para aprender o novo. Doloroso também deixar quem se foi num passado que ainda aparece em memórias e saudades.
Ser esposa de um homem também é muita coisa. Luana foi deixando pelo caminho os planos que tinha, a vaidade do batom, dos anéis nos dedos, a roupa bonita, a amiga que guardava segredos.
Foi esquecendo de si, se perdendo nos outros. Se deixou apagar e foi ficando pequenininha, às vezes seca. Já não encontrava mais no reflexo do espelho aquela menina encantada com tudo o que tinha da porta para fora e da pele para dentro.
Luana foi uma criança viva e linda, a pele morena e cabelos tantos e tão escuros que sua cabeça parecia o céu à noite. Cresceu em cidades do interior, foi um pouco cigana, desbravadora. Talvez rolasse em terras, abrisse bichinhos, cantasse no banheiro, dançasse no quarto. Mirava um futuro outro, um outro tipo de grandeza. A história exigiu que os sonhos fossem guardados embaixo do travesseiro, sempre fazendo sussurros no seu sono e cócegas nas suas ideias.
Mora numa cidade com nome de estação, Primavera, e ela não sabe se foi no dia que uma folha caiu ou no dia que uma flor nasceu, mas sentiu no peito uma fisgada, uma vontade de fazer da vida alguma coisa só sua.
Planejou com o companheiro que voltariam a estudar, primeiro ele e depois ela. Mas sua hora ficava mais distante, mais dura de alcançar. Foi sentindo romper por dentro o fio das vontades, se sentindo sozinha, desacompanhada na jornada. Ele disse que compreendeu, incentivou que ela buscasse o que tanto queria. E ela foi. Calçou os sapatos, guardou na bolsa o batom e saiu pela porta da frente dizendo vou ali e já volto.
Quando voltava para casa, Luana não sentia o chão. Aquele homem não pode ser o piso firme e as paredes seguras que ela precisava. Quando ela aparecia com brotos nos olhos, ele devolvia aspereza nas palavras. Não por maldade nem desamor, talvez por não conseguir assistir sem medo uma mulher antes adormecida, se levantar.
Ela estava desgastada, devastada. A solidão era muito cheia de outras pessoas. E foi um acontecimento, um vento gelado, um rompimento entre eles que anunciou o começo do fim. Luana percebia que começava a sair de um sono profundo, que durou anos, e que não podia mais desistir de acordar.
Quis buscar de volta a menina de antes, dar as mãos a ela, porque até ali tinha descoberto os caminhos sem que ninguém lhe contasse os atalhos e os perigos. Na trajetória de reencontrar a si mesma, esbarrou em duas amigas do passado, tão queridas as amigas, e juntas elas polinizaram desejos.
Um dia, o céu amanheceu com um sol ardido e Luana sentiu o calor no peito. Levantou e quando se olhou no espelho, viu seus pés como raízes, seu corpo era caule e seu peito, uma flor que se abria devagarinho. Não entendia o que acontecia e quando procurou aqueles sonhos escondidos embaixo do travesseiro, não os encontrou. Eles estavam no topo da sua cabeça, transformados em frutos redondos e cheios de cor.
Ela riu alto e talvez tenha chorado um pouco. Fazia primavera por dentro, Luana despertava. Agora ela passa os dias regando a alma e espera paciente a hora de colher os frutos maduros que não param de brotar.
Essa é uma produção Fio, um projeto de escrita literária criada a partir de relatos pessoais, compartilhadas comigo em encontros virtuais.
Você me conta sua história, eu a escrevo.
Luana foi uma das primeiras participantes do Fio e escolheu me contar sobre seu momento de reencontro consigo e redescoberta da vida.