A ausência durou poucos dias, três inteiros para ser exata e na sua cama sobrou um espaço ao lado esquerdo por duas noites. No domingo que precedeu o embarque do homem com quem dividia o espaço e o tempo, se sentiu ansiosa. Seria a primeira vez que estaria só em pouco mais de um ano em convívio absoluto, que beirou a perda da individualidade. É verdade que tinha momentos de silêncio e solidão, em que podia cuidar das coisas num ritmo definido apenas por ela e para ela. Esses momentos eram restritos aos horários comerciais quando o homem retomou a rotina mais ou menos conhecida de frequentar o escritório. Digo mais ou menos conhecida porque, depois de tanto tempo, tudo muda, ela supõe. Muda-se a forma de transitar na rua, de usar o transporte, de acessar elevadores, de consumir restaurantes. Uma liberdade forjada, sinistra, estranha porque a cara ainda permanece trancada atrás da máscara. Como será respirar o dia inteiro dentro de um tecido, ela pensava, supondo que não aguentaria. Mesmo já estando mais habituada a mais essa recente fase do cotidiano, ele hora em casa, hora fora dela, e mesmo ela preferindo momentos de vazio na casa, percebia que tentava preencher lacunas que ficaram espaçadas com vácuos do silêncio. Usava fones de ouvidos para lavar quintal, fazer arroz, estender as roupas. Queria ouvir para além da sua própria presença. E lia em voz alta, isso não para se escutar, mas para ter a sensação de que falava à alguém. Mas naquele domingo se deu conta que a cama também teria vácuo, sim, sabemos, apenas duas noites, sem o peso daquele corpo quente em suas costas. O domingo se arrastou então por melancolia que gelou o coração. Fez-se de despreocupada, desligada dos fatos até as palavras descontraídas serem interditadas por um olhar um tanto triste e preocupado, que ele logo capturou. Garantiu à ela que passaria rápido, que ficaria tudo bem e ela não tinha dúvidas de que ficaria, afinal, o que poderia dar errado. Além, é claro, do vazio da cama?  A casa dos dois aceitava ecos mas a cama não. Diferente do que pensou, dormiu feito pedra nas noites de sua ausência, não sem antes checar portas, todas elas, mais de uma vez. Era como se a falta do homem abrisse brechas para assombros, como se a cidade fosse saber de sua solidão e um mal intencionado viesse perturbar seu sono. Ajeitou a cama de modo que os travesseiros dele fizessem volume nas suas costas, percorrendo todo seu corpo pequeno e cobriu a cabeça para que não visse nada, não ouvisse nada e, mais que tudo, não fosse achada pelos pesadelos. Não foi, mas teve a impressão, nas manhãs seguintes, que seu corpo dormiu teso, já que doía nos quadris e ombros. O dia da sua volta chegou, finalmente. O voo atrasou, temperando mais sua ânsia pelo reencontro. Seria frustrante demais mais uma noite abraçada por travesseiros que não enganam o corpo. Por falar em corpo, o dele sobrevoava estados e o dela, firme em sua casa, os pés frios de começo de inverno, imploravam para que tudo voltasse ao normal para guardá-los entre meia noite e duas da manhã entre as pernas dele que suavam. Não trocou os lençóis, talvez ele tivesse saudade do cheiro que ela deixou, mas mudou as toalhas para ele se secar com perfume de amaciante. Ele tomaria um banho quente, deitaria de cueca, despejaria o braço em sua cintura e respiraria na sua nuca com hálito abafado. E ela ia reclamar que abafava demais, apertava demais, que se molhavam do mesmo suor enquanto dormiam. Mas gostava. Se sentia mais corajosa para sonhar com ele ao lado.

Verônica e Odila

A velha e o frio

Eduarda e Mônica

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