Uma carta para minha mãe
Mãe, eu estava estudando psicanálise, essa coisa com o que trabalho agora, esse tal de Freud que fala tanto sobre as mães e sobre nossa formação como sujeito e tudo mais – eu sei que é complicado, qualquer hora eu explico mas acho que você já entende de tudo – e de repente, me deu saudade de você.
Uma saudade bem específica do seu colo e de ser bebê e de sentir seu cheiro, tomar seu leite e de te olhar nos olhos, mas não como eu olho agora, adulta, mais alta que você. Saudade de te olhar de baixo para cima, ver a abertura do seu nariz que ficou maior nos últimos anos, sentir o ar quente e respirar junto. E eu não lembro de como era, pelo menos não com as imagens, mas eu lembro por dentro. O corpo tem memória e dessa lembrança embaçada e sem contornos fotográficos eu construí a cena: me vi sendo embalada no seu abraço.
Naquele instante, tudo que eu estava estudando, lendo, fazendo um tremendo esforço para entender, fez sentido imediato. Era justamente isso, exatamente disso tudo que o texto falava – mas em termos psicanalíticos e não nos termos do coração. Isso tudo que, como eu disse, você já sabe bem.
Ouvi dizer que para ser mãe é preciso reaprender a ser filha. Será que eu ainda sei desse papel? Te pedir conselhos, me deixar ser boba às vezes, afinal, eu ainda sei muito pouca coisa. Eu sei quase nada da vida. E quando tropeço, sigo sozinha e depois me pergunto por que não pedi ajuda. Se isso se chama orgulho, copio de você, que fique claro.
Tenho algumas dúvidas existenciais. Você sentia saudade da sua mãe? E hoje, sente? A mancha de café da minha toalha de mesa, eu tiro como? Foi a vó quem te ensinou a costurar? Eu não sei dar ponto em roupa e é difícil assumir que comprei agulhas e linhas, mas ainda estão fechadas e meu sutiã, novinho, precisa de um pontinho na alça arrebentada. Eu quero usar o sutiã, mãe. Vou te ligar para saber como arrumar isso. Você chorava escondido? Como é ter um bebê na barriga? Me faz uma sopa?
Essas minhas perguntas os livros não respondem. Não sei como me deixar ser mais vulnerável e recorrer aos seus cuidados, mas estou tentando. Por isso aceitei o pote cheio de bolinho de arroz outro dia, e se tiver mais pode me mandar.
Ah, se souber se tem um jeito mais certo de ser filha, me conta, porque eu estou doida para ser mãe.