Começaria de outro jeito mas acaba de acontecer uma cena curiosa e ordinária da nossa convivência: em um curtíssimo espaço de minutos pedi sua ajuda com algo, decidimos o que almoçaríamos, escutei um áudio cortando seu início de fala – prática bem comum da minha parte, embora eu não me orgulhe – e emendei, mais uma vez em cima do que você ia dizer, qualquer explicação, não solicitada, diga-se, sobre neurotransmissores e, quando pedi desculpas e te liberei para continuar você me fez a seguinte pergunta:

– Já pensou que todos os seus antecedentes, todos, tiveram filhos?

E saiu fazendo gestos de explosões mentais.              

Você é o cara mais inteligente que eu conheço. Quer dizer, provavelmente não é, mas é o que digo por aí. Recorro a você para tudo que eu não sei sobre conhecimentos gerais, como a ordem dos planetas do sistema solar ou qualquer palavra em inglês, porque você conhece as mais improváveis.

Eu odeio que você saiba inglês tão bem e diga que aprendeu jogando videogame enquanto eu ainda enfrento dificuldades para ligar a TV da sala.

Mas tudo bem, ainda são muitas as coisas que gosto em você e em nós. Ontem mesmo – enquanto eu passava um hidratante nas minhas pernas, de forma bastante sexy e tombei para trás na cama porque me desequilibrei e amassei meus óculos – eu pensava sobre a intimidade de compartilhar cama, saliva e a vida com alguém, e sobre como o amor é tão cotidiano e banal, contabilizado em dias corridos, feito de instantes inéditos como o da sua pergunta fora de contexto sobre os habitantes da terra anteriores a nós.

Tudo isso para tentar falar sobre a escolha de estar junto. Você me ensinou sobre querer estar. E eu sei lá, meu bem, se vamos ficar juntos até envelhecermos, não penso tanto nisso como pensava antes. Tenho me ocupado mais do agora, e no momento sinto verdadeiro tesão por essa ideia a que chamamos de casamento. E como problematizei, neguei e questionei essa mesma ideia.

Outro dia eu te disse que talvez não devêssemos ter a tal certidão, embora eu precise do seu plano de saúde. Inventei alguns porquês que agora, analisando à distância, me parecem tolos, mas acho que eu só queria incorporar um romantismo que não me pertence, uma coisa dos contos de fada, de ser pedida.

Que bobagem. No domingo seguinte eu já tinha mudado de opinião. Eu havia me perguntado: por que receio em assinar um papel, botar uma aliança se tenho tatuado, no lado do coração, a mesma coisa que você, cujo significado não sei traduzir depois de tanto tempo? O que me impedia, se já tinha me casado duas vezes com você, quando decidimos morar juntos e quando assinamos uma tal de união estável, de fazer um papel novo? Por que eu teria que ser pedida, por que a ação deveria partir de você?

Não sei, mas suspeito que carrego o desejo latente de botar palavras nas coisas, nunca sinto que tudo foi esclarecido e tem horas que preciso que seja.

Então, ainda que eu ache um pouco brega.

Ainda que eu não vá vestir véu, jamais.

Ainda que eu não vá pegar teu sobrenome.

Ainda que.

Preciso te fazer essa pergunta, agora escrita e não mais em sussurros no seu ouvido

você quer se casar comigo mais uma vez?

Será em cartório, papel passado e testemunha, qualquer dia desses, em horário comercial. 

Fazemos a festa depois, uma grande festa, três dias de festa e aí, meu amor, nos casaremos de novo pela quarta vez e quantas mais sentirmos vontade.  

Espero tua resposta ao vivo.

Independente dela, agora está dito.

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